Ouvir alguns debates e relatos sobre a República implantada em 1910, sugere-me dois ou três ideais ou valores republicanos que tiveram alguma materialização em Beijós, que informaram gerações e de que ainda hoje beneficiamos.
Um desses valores fora a profusão de jornais e revistas que se publicaram naquela época. Essa tradição de leitura de jornais chegou até hoje, embora nas últimas décadas tenha sido algo diluida pela televisão e pela internet. Os jornais, a comunicação escrita em geral, também em Beijós fora, durante várias décadas, o grande veículo de informação e de formação cívica e política, apesar do analfabetismo de muitos habitantes e dos ataques mais ou menos velados de alguns conservadores que epitetavam os republicanos de “jacobinos”, como se isso fosse uma grande ofensa.
“O Século”, o “Diário de Noticias”, “O Primeiro de Janeiro” e o jornal “República”, alguns recebidos por assinatura, eram lidos diariamente por algumas dezenas de pessoas em Beijós entre os quais António Campos Baptista, João Pais Baptista e José Abrantes, três republicanos de primeira água que transportaram ao longo das suas vidas os ideais da República e os divulgaram à sua maneira.
Outro dos valores importantes do republicanismo fora o associativismo. Em Beijós esse ideal e prática materializou-se, em boa hora, na criação da “Associação de Educação e Recreio de Beijós”, em 1949. Como se sabe, em particular através da foto dos fundadores existente na Associação, José Pais dos Santos, autor do celebrado “Diário de Guerra”, fez parte desse grupo fundador e José Abrantes fora o primeiro presidente da Direcção, sendo primeiro secretário António Marques Baptista, felizmente ainda entre nós, jovem e de boa saúde.
E, repare-se que, no nome original da Associação estava a palavra “Educação”, exactamente uma das bandeiras da revolução republicana de 1910. Não fora por acaso. A Educação era uma questão central no ideário republicano e que tão desprezada fora nos 45 anos do “Estado Novo” de Salazar.
Será que na Iª República a Educação tivera melhor tratamento que no salazarismo?
Não tenho dúvidas. Só um exemplo: em 1953, a turma da 4ª classe na escola de Beijós , que incluia as Póvoas, tinha apenas 2 alunos. No periodo da Iª República (1910-1926) quase de certeza esse número era superior, não obstante a população residente ser sensivelmene menor.
Se a importância dada à Educação se tivesse mantido no tempo de Salazar como na Iª República Portugal seria, hoje, um país muito mais desenvolvido e, provavelmente, não teria suportado tanto tempo a ditadura.
A I ª República cometeu erros e teve insuficiências. Mas o balanço é francamente positivo, como é dito e redito nestas importantes comemorações do Centenário.
Por tudo isso se pode dizer que Beijós aderiu e aplicou os ideais da República e dos republicanos de 1910.
Assim, fica bem uma toponímia como “Rua Miguel Bombarda” ,“Rua Afonso Costa” ou mesmo “Rua Abade Pais Pinto”. Sem dúvida, o espirito republicano e os ideais da Iª República sempre estiveram bem vivos em Beijós.
A. Abrantes
Ver mais sobre Abade Pais Pinto, e comemorações republicanas em Beijós
Caro A. Abrantes,
ResponderEliminarpermita-me então o debate sobre a "materialização" :)
1. Imprensa
Havia jornais republicanos antes de 1910. Escreviam contra o regime e raramente eram censurados, embora alguns directores tenham passado pelo Limoeiro.
Depois de 1910, não podia haver jornais monárquicos. E qualquer periódico que duvidasse da bondade do regime ou se insurgisse contra a "caça ao padre", arriscava-se ao empastelamento.
2. Associativismo
Como sabe, as Associações nasceram como cogumelos na II República. Juntamente com as Casas do Povo, os Grémios, os Sindicatos e a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, as associações culturais e as cooperativas de produtores ajudaram a solidificar o Estado Corporativo.
3. Instrução
Comparativamente aos países mais desenvolvidos, o panorama é mau desde que há estatísticas sobre o assunto. Ainda assim, dizer que era pior em 1950 do que antes de 1926, não tem fundamento estatístico...
Vamos comparar a população entre os 20 e os 24 anos, no concelho do Carregal, em 1930 (deviam ter andado na escola depois de 1910) e em 1950 (escola depois de 1930 - infelizmente, não tenho acesso aos dados de 1970, para poder incluir os que andaram na escola após 1950, mas há dados nacionais, acessíveis a qualquer cidadão com ligação à internet).
Em 1930, no nosso concelho, eram analfabetos 64% das mulheres e 37% dos homens entre os 20 e os 24. Em 1950, os valores desceram para, respectivamente, 37% e 24%.
Cumprimentos.
Literacia de 75% entre os homens em 1950 já era era grande façanha, mas ainda ficava aquém dos outros países.
ResponderEliminarE 2 alunos na 4ª classe na freguesia de Beijós era pouquíssimo em 1950.
Vejamos, quantos beijosenses nascidos em 1940 fizeram a 4ª classe?
Desses, quantos o feizeram aos 10-11 anos ou posteriormente através de uma reciclagem como as Novas Oportunidades?
E quantos vieram a completar o secundário?
Ainda hoje faz falta dar mais importância à educação em Portugal e reconhecer o esforço daqueles que procuram eliminar lacunas na sua formação.
Calma Letrado, os números referem-se apenas ao Concelho do Carregal e ao grupo etário dos 20 aos 24 anos.
ResponderEliminarVejamos os números a nivel nacional da taxa de analfabetismo nessa classe etária, respectivamente, para homens e mulheres:
1930 (entrariam na escola entre 1913 e 1917 aprox) 48% e 64%
1950 (entrariam na escola entre 1933 e 1937 aprox) 25% e 38%
1970 (entrariam na escola entre 1953 e 1957 aprox) 4% e 5%
Sobre a nomenclatura das ruas de Beijós, está na hora da mudança, em vez de Afonso Costa proponho o nome de Pais dos santos.
ResponderEliminarQual deles?
ResponderEliminarCaro Beijokense,
ResponderEliminarDiz: “Ainda assim, dizer que era pior em 1950 do que antes de 1926, não tem fundamento estatístico...”
Estatísticas sobre a escolaridade primária do tempo da Iª República não as tenho, mas também não sei se existem, embora tenha feito algumas tentativas de as encontrar, pelo menos com o pormenor do nível de freguesia.. Só, talvez, nos registos do Delegado Escolar (?) concelhio. Mas onde param esses registos?
É uma boa área para pesquisa futura.
A minha afirmação, que reconheço ser ousada, baseia-se no meu conhecimento de várias pessoas em idade escolar (escola primária) ao tempo da Iª República e que tinham, de facto, concluido o 2º grau ou 4ª classe.
Admito até que o número de alunos que, em 1953, frequentava a escola primária em Beijós (alunos de Beijós e Póvoas, sem Pardieiros) fosse mais baixo que cinco ou dez anos antes, não porque a população residente estivesse a decrescer (suponho que não estava) mas porque alguns nem sequer iam à escola ou ficavam-se pela 2ª ou 3ª classe (1953 fora o último ano em que houve exame da 3ª classe, com emissão de diploma, creio).
Em 1953 havia apenas uma professora para raparigas e rapazes ao contrário do que acontecia anteriormente onde, penso eu, havia dois professores, uma professora para as raparigas e um professor para os rapazes, em que o recreio da escola era dividido ao meio conforme os sexos e ai do rapazola que violasse essa separação (uma linha traçada no chão) com uma simples corrida a jogar “o cativo”.
Ou seja, o governo de Salazar preocupava-se muito menos do que devia e do que o país precisava no que à escolarização da população em geral dizia respeito.
Estabelecendo um paralelo com a situação actual do défice público e desiquilibrio das contas com o exterior, no final da 2ª Guerra Mundial as finanças públicas apresentavam um superavite (caso único na História de Portugal dos últimos dois séculos) à custa, por exemplo, do volfrâmio e das exportações para a Alemanha (apoio a Hitler), mas que de pouco serviu ao desenvolvimento do país que desembocou no surto emigratório sem precedentes que se conhece e no colapso do regime em 1974.
Será que a História pode servir para alguma coisa?
Dados sobre a frequência escolar ao nível da freguesia, talvez existam no Arquivo Distrital de Viseu e/ou num qualquer arquivo do Ministério da Educação.
ResponderEliminarÀ distância de poucos cliques no site do INE existem:
Dados ao nível concelhio na maioria dos Censos;
Dados ao nível de distrito em todos os Censos e, a partir de 1940, nas Estatísticas da Educação.
É com base nos dados do INE que eu reafirmo o que afirmei.
Pela leitura do seu comentário, parece-me que escolheu o ano de 53 a dedo (?)
Eu não sou historiador, nem estudei o assunto em detalhe, mas, numa rápida visão dos números, parece-me que o Estado Novo teve um claro objectivo de massificar a alfebetização (esta coisa de inaugurar escolas nos centenários não foi inventada por Sócrates!). Já ao nível do ensino secundário, o investimento foi quase nulo e o ensino oficial respondia apenas a metade da procura.
Eis uma das frases de Salazar: "O povo com fome e analfabeto torna-se humilde"
ResponderEliminarEu diria submiso, dado que a humildade na dose certa é uma virtude, parece que ainda hoje há muita boa gente com saudades desse tempo.
E qual é a fonte dessa frase?
ResponderEliminarSalazar não queria um povo analfabeto. Queria um povo que fosse capaz de ler, mas que não soubesse demasiado.
Isto é uma verdadeira citação, não de Salazar, mas de uma Lei:
«O Govêrno prepara cuidadosamente a reforma do ensino primário, com o duplo objectivo de assegurar a todos os portugueses um grau elementar de cultura, que os torne verdadeiramente úteis para si e para a colectividade, e de se dar enérgico e eficiente combate ao analfabetismo.»
O 1.º artigo dessa Lei dizia o seguinte:
«O ensino primário elementar, obrigatório para todos os portugueses, é ministrado em classes e compreende as seguintes disciplinas:
Língua portuguesa (leitura, redacção e feitos pátrios;
Aritmética e sistema métrico;
Moral;
Educação física;
Canto coral.»
Para que o combate (ao analfabetismo?) fosse mais "enérgico" :), o Art.º 6.º dizia o seguinte:
«É obrigatória para os alunos do ensino primário elementar, tanto oficial como particular, a inscrição nos quadros da Mocidade Portuguesa, a qual será averbada na caderneta escolar».
A Lei é de Novembro de 1936, para ser aplicada com carácter de urgência já nesse ano lectivo.
http://dre.pt/pdfgratis/1936/11/27600.pdf
Registo a resposta ao meu comentário, Salazar não queria o povo analfabeto, queria um povo que soube-se pouco, e já agora acrescento eu, que não morre-se de fome mas que anda-se lá perto.
ResponderEliminarHá situações que não precisam de ser decretadas para se sentirem na pele, coisa que o meu amigo não deve ter passado.Não precisa de se esforçar a fazer pesquisas, porque existem ainda muitos testemunhos vivos,concerteza alguns bem perto de si, pergunte-lhes.
Cada um sabe de si. Eu prefiro esforçar-me a fazer pesquisas do que engolir a papa que outros façam. Afinal, você é como Salazar - defende que alargar o conhecimento não vale o esforço.
ResponderEliminarMeu caro amigo não me entenda mal, a pesquisa é fundamental para alargar os nossos conhecimentos, mas como sabe a historia está cheia de contradições e cada um acredita no que mais lhe convém. Sobre as virtudes e defeitos de Salazar que eu lhe sugeri foi que pergunta-se ás pessoas que viveram nesta época, pois estamos a falar de factos recentes da nossa história, como vê sugeria-lhe a pesquisa só que neste caso com testemunhos vivos. Um bom domingo.
ResponderEliminar“Education makes a people easy to lead, but difficult to drive;
ResponderEliminareasy to govern, but impossible to enslave.”
Henry Peter Brougham
“Ye can lead a man up to the university, but ye can’t make him think.”
ResponderEliminarFinley Peter Dunne
Pode-se levar o cavalo (burro) à água, mas são se pode obrigá-lo a beber (aprender.
ResponderEliminarPode-se concluir que até os cavalos(burros)têm o direito de escolha, só bebem se tiverem sede.
ResponderEliminarReconhecer as nossas limitações é meio caminho andado para as ultrapaçar.
Never try to teach a pig to sing. It is a waste of your time, and it annoys the pig.
ResponderEliminarAlguns dos comentaristas que antecedem bem necessitavam de actualizar alguns conhecimentos
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